terça-feira, 5 de julho de 2011

O homem e o engenho...

A tecnologia, que já foi a techné, a ars e depois se expandiu para os ingenia, ocupa, desde a Antiguidade, uma posição essencial na vida da humanidade. É uma tendência cada vez mais presente na vida do homem, não só em termos científicos, mas também no que diz respeito à evolução social. Basta, por exemplo, comparar as condições de vida da sociedade ocidental no século XIX e no início deste milénio: hoje, as inovações são constantes e vêem a luz do dia a um ritmo voraz.



Na realidade, já Platão reconhecia a importância da técnica ao narrar no Protágoras o mito de Prometeu:

“Houve um tempo em que existiam os deuses, mas não ainda as estirpes mortais. Quando também para estas chegou o fatal momento do nascimento, os deuses modelaram-nas no coração da terra misturando terra, fogo e tudo o que com a terra e o fogo se amalgama. Quando as estirpes mortais estavam prestes a vir à luz, os deuses ordenaram a Prometeu e a Epimeteu que a cada uma dessem em justa medida as faculdades naturais e por elas as distribuíssem adequadamente (...). Mas Epimeteu não foi comletamente hábil, e consumiu inadvertidamente todas as faculdades nos seres destituídos de razão. O género humano ficara, portanto, desprovido, e Epimeteu não sabia que fazer. Nesse momento, chegou Prometeu para verificar a distribuição e viu que os outros seres vivos estavam munidos de tudo o que lhes era necessário enquanto o homem estava nu e descalço, sem leito nem armas. Chegara já o dia fatal em que também o homem teria de vir à luz. E, não sabendo que meios de salvação poderia dar ao homem, Prometeu roubou a Héfaistos e a Atena o saber técnico e o fogo, pois sem fogo era impossível particar as artes e deu-as ao homem (320c-323c).”
in DOLZA, Luisa, Históri da Tecnologia – As Grandes Etapas do Desenvolvimento Económico e Técnico da Humanidade, Teorema, Lisboa: 2009, p. 5-6.

Este saber técnico, apesar de constituir a salvação do homem, biologicamente fraco, introduziu novos riscos. Estas novidades, não por acaso também designadas de “astúcias” ou “artifícios”, podem alterar a natureza e o seu equilíbrio, mesmo quando se actua com prudência e habilidade. É nesta ambivalência entre o equilíbrio da natureza e a exigência de uma vida melhor que se encontra a tecnologia, antiga e moderna. Assim, com estas características, o contexto tecnológico está indissoluvelmente ligado ao destino do homem.
Nas Questões Mecânicas, durante muito tempo atribuídas a Aristóteles, o autor define que:

“(...) entre as coisas que não são “naturais” mas que, pelo contrário, contrastam com a natureza, causam surpresa aquelas que são produzidas por meio de uma técnica e em benefício dos seres humanos. (...) o útil é multiforme e pode tomar aspectos diversos. Quando, pois, é preciso realizar alguma coisa que vá além dos limites impostos pela natureza, a dificuldade cria embaraço e torna-se necessário recorrer a uma técnica. Por isso damos o nome de mechané aquele elemento que nos auxilia. Em suma: as coisas são exactamente como diz Antífon, o poeta, ao afirmar que por maio da técnica nós saímos vencedores onde a natureza é mais forte que nós.” (ibidem, p. 12)

Hoje, depois de muitos séculos e de muita discussão, fala-se muitas vezes de inovação, mas já não se fala de grandes inventores. “Feneceu a ideia romântica do génio solitário que, incompreendido e ridicularizado, trabalha no isolamento do seu laboratório para dar realidade a uma coisa que torne mais rápido o caminho do progresso”. Com as estruturas comunicacionais e organizacionais cada vez mais facilitadas, a maioria das grandes descobertas são agora feitas em grandes laboratórios e conglomerados empresariais ou com o apoio de enormes injecções de capital, consoante a urgência e a vontade dos mercados.

Apesar de tudo, “os homens e o seu “saber fazer” circulam, comunicam e aumentam o património técnico; mas, acima de tudo, modelam o mundo”. (ibidem, p. 9)

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